Faça as pazes com suas memórias
- Rita Santander
- 15 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
A memória da gente é um treco bem curioso, né? Ao tempo que nos prega algumas peças como nos esquecermos de datas importantes ou detalhes de uma história, também pode ser acionada instantaneamente e nos levarmos para bem distante apenas com um pequeno estímulo.
Quem me conhece deve achar esquisito EU, logo EU me dispor a escrever sobre memórias - uma vez que a minha é igual a de uma galinha velha. Mas é essa minha precariedade de guardar algumas coisas na cachola que me fazem achar engraçado os gatilhos que estimulam minhas recordações.

Hoje um aroma ativou uma memória bem distante. Não era um perfume de alguém que conheci e nem o cheirinho da comida da infância, mas do produto de limpeza que senti no corredor do meu apartamento. Vizinho provavelmente estava em dia de faxina, porque esse cheiro é o mesmo que eu sentia quando passava pano no chão do meu primeiro apartamento depois de casada.
Se você me perguntar qual é o produto que eu usava para limpar minha casa, eu não me lembro, mas o aroma era exatamente igual ao que senti hoje chegando em casa.
E não é que aquele cheirinho me levou lá pra longe? Me remeteu aos dias úmidos quando a sala demorava mais para secar e eu tinha que manter os cães mais tempo presos para que não sujassem aquilo que eu, dona de casa nova e bem ruim - assim como ainda sou - tinha feito para deixar a casa a casa cheirosa e limpa antes de preparar uma janta quentinha.
Pode parecer bobagem essa memória ter trazido recordações boas, uma vez que limpar casa e cozinhar para o marido nunca foi minha ambição na vida, mas me lembrou de uma época que fui muito feliz.
Não era a casa limpa ou a comida feita, com carinho, sob a mesa posta. Era o fato de eu estar, naquele momento, vivendo a vida que eu escolhi, ao lado do homem que eu amava e retribuía isso. Eu escolhi o casamento.
Tão consciente quanto deveria ser. Não foi carência, necessidade, nem para sair correndo da casa dos meus pais. Eu escolhi dar aquele passo, que mais tarde levou ao divórcio meio inesperado, porém no momento em que selamos o "sim" na frente de um juiz e algumas testemunhas, aquela era a vida que eu queria ter e com ela fui, de fato feliz, por um tempo.
E é a essa felicidade que as memórias me remetem. Por um tempo eu não conseguia assumir isso. Era muita mágoa, muita culpa, muito desamor envolvido, mas poder revisitar esses momentos e lembrar da felicidade desse passado, foi muito mais libertador que todos os sentimentos citados aqui.
Se eu sinto falta? Claro que não! Não voltaria a esse passado exceto pelas minhas memórias, mas a felicidade é saber que a dor causada pela separação não machuca mais, nem quando me lembro de algo que aconteceu. Outra conquista é ainda, me lembrar com carinho de quando fui feliz no meu ex casamento. Isso tira de mim todo o peso da mágoa; aquela névoa que me impedia de olhar para traz e enxergar que haviam coisas boas.
No fim, não importa que acabou, mas a sensação que o amor um dia existiu deixou, nada pode apagar.
Hoje eu tenho a certeza de que o conjunto de vivências do nosso passado formam aquilo que somos hoje. Por essa razão que sou grata por manter intactas as memórias boas, e elas me trazerem felicidade e não tristezas como já trouxeram em outras épocas.
A máxima "que seja infinito enquanto dure" nunca fez tanto sentido quanto agora!

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