Não era namoro… era união estável
- Juliana Pimenta
- 7 de mar. de 2018
- 4 min de leitura
Às vezes o relacionamento entre duas pessoas evolui de tal forma que elas passam a dividir o mesmo teto e a planejar coisas para o futuro, como viagens ou filhos... Pode ser também que um animalzinho seja adotado, que haja convívio com ambas as famílias, dependência no plano de saúde ou no título do clube do outro…Pode acontecer ainda dessas pessoas comprarem um carro (ou até um imóvel) juntos e pode ser que isso tudo aconteça sem que haja um casamento nos planos desse casal. E tudo bem.
Fato é que os vínculos fora do casamento sempre existiram, ainda que sem o reconhecimento legal e em confronto com valores morais predominantes. Dando nome aos bois, aqui no Brasil, por muito tempo, as uniões carentes da chancela Estatal do casamento foram chamadas de concubinatos e não eram lá muito bem vistas. Em uma sociedade altamente machista e patriarcal, não era espantoso o fato de que o ônus do relacionamento recaísse basicamente sobre a concubina – nome feinho dado às mulheres que vivem com um homem sem se casarem-, que não tinha direito a nada. E eu não estou falando da amante do homem casado não, viu? Estou falando de casais sem qualquer impedimento e que viviam um relacionamento estável, mas que por não serem formalmente casados eram privados de uma série de direitos.

Esse descaso legal, com o passar dos anos, resultou em um aumento de demandas processuais de tal modo que lá pelos idos dos anos 60 a Justiça passou a considerar os companheiros como sócios, reconhecendo a existência de uma sociedade de fato entre eles. Continuava ruim, mas não dá pra negar que foi uma evolução, né? Do nada, para alguma coisa!
Uns 25 depois, lá em 1988, é que o negócio começou a ficar bom para a galera que queria construir uma vida a dois sem se casar, mas que também não queria se dar mal com a coisa toda. A cabeça das pessoas já tinha mudado e o resultado foi que o legislador, com a nova (e ainda vigente) Constituição Federal, expandiu o conceito de família, colocou o afeto como o ponto central das relações familiares e, enfim, reconheceu a união estável (já com esse nome mesmo) como entidade familiar perante o Estado.
Com isso, a legislação se abriu para reconhecer alguns direitos aos cônjuges, como o direito real de habitação, à alimentos e à sucessão, e também para colocar ambos em pé de igualdade no relacionamento. Ainda passou-se a admitir como estáveis as uniões das pessoas separadas de fato e se passou a considerar que os bens adquiridos na constância da união estável são frutos do esforço comum (o que resulta no dever de, via de regra, se partilhar igualmente os bens). E você se lembra da separação de corpos? Ela cabe na união estável também, olha só! ;) Tudo isso permanece inalterado até hoje e vale também para as uniões homoafetivas. Esses são só alguns dos direitos e deveres dos companheiros, tem mais coisa aí!
Botando os pingos nos “i”s
Como a união estável acontece no plano dos fatos e a lei não exige formalização e nem um tempo mínimo de duração para a sua constituição às vezes há uma certa dificuldade em distingui-la do namoro. O que ajuda a clarear as diferenças são os requisitos que a própria lei traz para a caracterização da união estável. São quatro, olha só:
Convivência pública: que é o reconhecimento notório do relacionamento - e aí tanto faz se foi público apenas para os amigos e familiares ou se alcançou todo o círculo social dos companheiros;
Contínua: significa que a convivência não é eventual;
Duradoura: aqui é preciso analisar as circunstâncias de cada relação, mas de qualquer forma, estão descartadas as relações efêmeras;
Estabelecida com o objetivo de constituição de família: é o mais polêmico, pois está ligado à vontade concreta das partes de, juntas, formarem um núcleo familiar. Morar junto, nesse caso, não é imprescindível, mas favorece bastante o reconhecimento em caso de litígio. Outros indícios favoráveis são: os companheiros irem juntos a eventos familiares e sociais, se casarem no religioso, terem filhos fruto desse relacionamento, mútua dependência econômica, parceria em empreendimentos, contas bancárias conjuntas, etc.
É muito importante destacar que mesmo que não haja um contrato ou declaração de união estável ela pode ser reconhecida em juízo e aí tudo vai depender do conjunto probatório. Outro ponto relevante é que na ausência da escolha de um regime de bens pelos companheiros, irá vigorar o da comunhão parcial de bens, assim como ocorre no casamento, ok?
Aliás, muitos direitos e deveres do casamento também se aplicam à união estável, uma vez que os deveres de lealdade, fidelidade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos estão presentes. Em matéria de sucessão, a união estável equipara-se ao casamento.
De maneira alguma a união estável deve ser vista como uma forma “menor” ou “mais fraca” de estrutura familiar, constituição de vínculos ou comprometimento se comparada ao casamento. Ela é apenas uma outra opção, que deve ser igualmente respeitada.
O Direito de Família é tão vivo e mutante quantas são as maneiras que o ser humano cria e mantêm seus vínculos pessoais. As dificuldades de se institucionalizar direitos tão ligados a sentimentos são inúmeras - e me pergunto se essa intensa institucionalização é sempre necessária… Enfim… De qualquer forma, como bem disse Maria Berenice Dias: “Não há lei, nem do deus que for, nem dos homens, que proíba o seu humano de buscar a felicidade”.
Até a próxima!

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