Nem tudo são flores

Existe um dia do ano em que a timeline das redes sociais amanhece cor-de-rosa, florida, delicada. Vocês mulheres já devem saber qual dia eu me refiro, 8 de março.

Agências de publicidade buscam as imagens mais doces para homenagear a alma feminina. Redatores criam as frases mais clichês para parabenizar “aquela que gera vidas” (para mim essa é a pior, por que transforma a mulher num receptáculo e ainda exclui as que não querem ter filhos. Mas está tudo bem). Empresas dão lembrancinhas para as funcionárias, mas torcem o nariz quando elas têm que levar seus filhos para o médico, ou para evitar esse “transtorno”, as despedem logo após retornarem da licença-maternidade.

Os grupos de mensagens também não ficam de fora. Aliás, são os piores. A todo instante chega uma nova imagem ou um gif animado. Que horror.

Tem também aqueles (me refiro aos homens), que ousam um pouco mais e escrevem suas próprias mensagens. Aí que começa o verdadeiro show de horror da hipocrisia masculina. Caras que são reconhecidamente machistas decidem que naquele dia, e somente naquele dia expressarão todo o seu reconhecimento à grandeza da mulher. Mas nessa tentativa cometem erros gravíssimos. E não estou me referindo aos erros gramaticais (esses nem vou considerar aqui).

Falo do paradoxo entre o que escrevem e o que realmente pensam e vivem. Alguns ainda começam o textão dizendo que não deveria existir o dia da mulher, “o dia dela são todos os dias”. Quanta poesia.

Vai ter Dia Internacional da Mulher, sim. Vai ter representatividade sim, por que nem tudo são flores, meu amigo.

Mas, o mais curioso disso é ler os comentários em tais postagens. “Uau, que lindo”, “Nossa, perfeito”, “Você é tão sensível”. Detalhe: esses comentários foram escritos por pessoas que conhecem esses rapazes na vida real, sujeitos misóginos. Algumas mulheres também agradecem a homenagem.

Então me pergunto: será que neste dia estas amigas decidem esquecer que para estes homens não existe igualdade de gênero? Ou será que estão apenas sendo irônicas? Fico com a segunda opção.

O Brasil é um dos países cujos os números da desigualdade social atingem os índices mais elevados. Nem é preciso citar os exemplos aqui. Os crimes de ódio sofridos somente pela condição de ser mulher também são assustadores. Então, quando vejo a minha timeline cor-de-rosa, florida, delicada me preocupo por vários motivos. O primeiro que já citei aqui e o segundo por que algumas dessas “homenagens” mostram imagens de mulheres dentro de um padrão de beleza estereotipado, me fazendo acreditar que são eles, os homens criativos das agências de publicidade, os responsáveis por reforçar mais uma forma de opressão. Onde estão as mulheres de verdade?

Estaria eu aqui invadindo um lugar de fala reservado somente às mulheres? Algumas até podem estar pensando: “Lá vem mais um homem tentando validar sua imagem de feminista”.

Não sou feminista e jamais compreenderei mais que uma mulher, sobre um movimento centrado nos direitos e interesses femininos, pois não sou uma vítima institucional do machismo.

Sou apenas um aliado, um pró feminista em constante processo de desconstrução e reconstrução. Não é um processo fácil, mas a transformação não deve ser doce, ao contrário deve nos perturbar.