Plot twist no filme da minha vida
- Tabata Pitol
- 3 de abr. de 2018
- 3 min de leitura
Era quase unanimidade. Todo mundo que tentava me consolar vinha com o mesmo diálogo: ele é muito moleque, precisa amadurecer muito ainda. Você fazia tudo para ele, ele precisa crescer. Vai ver como a vida é difícil, você o endeusava. Agora ele vai aprender a ser adulto.
Por muito tempo foi nisso que eu acreditei. Eu que não sou religiosa, e por isso mesmo flerto com diversas crenças, me apeguei naquela que diz que somos um grupo, que está junto em cada encarnação, com papeis diferentes em cada uma delas, para assim evoluirmos. Tentei eu mesma me consolar com esse discurso: o que ele fez foi uma molecagem, eu sabia que ele era assim, agora ele vai amadurecer, está feito meu papel, bora seguir em frente.

A sensação de dever cumprido, de ter ajudado o cara que amei a conquistar várias coisas, me trazia um certo alento. Acreditar que tudo o que estava acontecendo entre nós estava destinado a acontecer, pois fazia parte da evolução dele, me fazia aceitar mais facilmente.
Mas eis que de repente a chavinha da minha cabeça mudou. Pera aí! Porque eu, que sou uma pessoa gente boa, tenho que sofrer para que ele evolua?
Na na ni na não. Não é possível que a pessoa que escreve esse roteiro ia fazer isso comigo.
Foi aí que meu pensamento mudou: não é para ele evoluir que tudo aconteceu, é para que eu seja mais feliz que tudo isso aconteceu.
Não vou cuspir no prato que comi e me fartei. Eu já disse milhares de vezes que amava ser casada com ele, mas eu também já deixei claro algumas vezes que nosso casamento era todinho sobre ele. Talvez ele não concorde. Talvez ele diga que várias vezes fez o que eu queria. E não é mentira. Mas isso não muda o fato de que grande parte do casamento - e em grande parte por decisões minhas tomadas para agrada-lo - era sobre ele: era o carro que ele queria, tudo adaptado para o horário que ele trabalhava, se estava com dor nas costas eu dormia na sala para deixar ele mais confortável, mesmo cansada fazia comida saudável pois ele precisava se alimentar bem…enfim, até me comer ele me comia do jeito que ele queria.
Fazer tudo isso me dava um enorme prazer - quer dizer, nem sempre, e nem tão enorme assim, hahahaha - mas também era cansativo. Bem cansativo.
Querer agradar o tempo todo, cansa. E eu queria. Eu queria antecipar as necessidades dele. Queria ouvir: que comida gostosa e nossa, era exatamente o que eu precisava. As vezes eu ouvia espontaneamente, na maior parte das vezes eu confesso que cobrava esse reconhecimento.
Enfim, li esse dias, um estudo de 2016, que dizia que ter um marido aumenta em 7 horas o trabalho doméstico da mulher. Não sei fazer essa conta, mas era pesado, bem pensado.
Foi aqui que pensei: e se o roteiro dessa história sofreu esse plot twist para que, o que vem a seguir na minha história seja mais leve ? E se o roteirista pensou: olha essa menina aí tá precisando se divertir mais, rir mais, ser mais leve, mais solta, mais impulsiva. Dançar mais, descansar mais, ver os filmes que ela ama, se espalhar em uma cama bem grande sozinha - quer dizer, com um lhasa e um bulldog querendo roubar espaço, mas ela os ama mesmo -, botar o ar condicionado na temperatura que ela quiser e nunca mais ter que ir em um restaurante japonês.
Porque tudo tem que ser sobre ele?
Porque de repente a menina que por 12 anos elegeu outro protagonista para sua vida, não pode ter recebido uma ajudinha do acaso para se tornar a protagonista da sua vida?
Descobrir que tenho meus sonhos, minhas vontades, meus gostos, minhas preferências e fazer valer tudo isso, tem sido um delícia. E entender que minha vida pode sim ser sobre mim está sendo indescritivelmente bom. Agora tchau, tô indo viajar. Vem férias! Eu mereço!

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